Natural de São Paulo, Eudóxia de Barros vem de uma família bem brasileira, amante da música e da cultura de seu País. Com a avó paterna conheceu os primeiros acordes do piano, instrumento que a consagrou como uma das maiores musicistas eruditas do Brasil, com grande reconhecimento no exterior. Da família, Eudóxia traz o gosto pela música nacionalista, que privilegia em seus concertos. Incansável aos 71 anos, mantém uma agenda repleta de apresentações nos mais diversos pontos do País, sempre com o compromisso de execuções impecáveis. Em entrevista exclusiva ao PG Notícias, Eudóxia de Barros fala de sua relação com a música, o amor ao piano e à cultura brasileira.
PG Notícias – Como você escolhe seu repertório?
Eudóxia de Barros – Gosto muito dos clássicos românticos e modernos, mas sempre procuro privilegiar a música brasileira. Como tenho um público diversificado, opto por um repertório que agrade a todos: há os que preferem Mozart e os que adoram os compositores contemporâneos. Tento incluir todos em meu programa. Mas toco pelo menos um terço de músicas brasileiras.
PG – Mesmo no exterior?
Eudóxia - Mais ainda! Sobretudo porque lá o público busca muito a novidade, composições diferentes. A música brasileira é muito bem-vinda lá fora. Não só na Europa, mas também na América Latina. Recentemente estive na Bolívia, e recebi inclusive pedidos de partituras de canções brasileiras inclusas em meu repertório.
PG – Na sua opinião, qual o motivo desse sucesso?
Eudóxia - O ritmo, que é muito peculiar. A toada caipira, por exemplo, agrada muito, e não há nada parecido do mundo. Nossa cultura, de um modo geral, é muito rica. Você viaja pelo Brasil, e encontra diversos países diferentes dentro de um mesmo território. Cada pedacinho desse País é um universo cultural incrível. Eu digo que já morei em muitos países, mas não por muito tempo. Essa é a minha pátria, singular. Não há nada que se assemelhe ao Brasil.
PG – Quais seus compositores prediletos?
Eudóxia - Osvaldo Lacerda, Camargo Guarnieri, Villa-Lobos... prefiro a linha nacionalista, de composições baseadas em músicas do folclore brasileiro. Claro que existem outros muito bons e mais modernos, como Ricardo Tacuchian e Jorge Antunes, que toquei hoje, por exemplo. Eles fazem música como no mundo inteiro, sem aquele toque de brasilidade. Mas são composições bonitas, agradáveis de tocar.
PG – E na música popular?
Eudóxia - Infelizmente, acho que a música popular hoje em dia é muito pobre. A música sertaneja que temos na mídia, por exemplo, não tem nada a ver com suas raízes, com as belas modas de viola. Há alguns compositores que admiro, como o Zeca Pagodinho. Acho fantástico! É um sambista legítimo, que privilegia a música nacional. No sertanejo legítimo, Tonico e Tinoco merecem reconhecimento. Também admiro compositores como o Caetano Veloso. Que afinação! Mesmo tendo uma voz pequena, consegue se colocar como um cantor afinadíssimo, além de ser um grande compositor.
PG – A que você credita o empobrecimento da música popular?
Eudóxia - Nesse ponto, acho que o processo de globalização prejudica muito. O que se pretende é unificar o mundo inteiro, em todos os aspectos: mesmo tipo de música, de literatura, cultura unificada. As músicas tipicamente brasileiras como o Reisado e o Maracatu estão desaparecendo junto com as festas tradicionais. Precisa haver um movimento de preservação e incentivo a isso, a base de nossa música, inclusive da erudita.
PG – De onde veio o gosto pela música erudita e pelo piano?
Eudóxia - Havia um piano em casa, tocado pela minha avó paterna. Ela executava tanto músicas eruditas quanto populares, mas como um hobby. Eu e minha irmã ficávamos ali, na sala, escutando, nos deliciando. Meus pais acabaram contratando uma professora e, assim, comecei meus estudos. Tive aulas com ótimos professores, como Karl Heim, ex-discípulo de Kempff; Magda Tagliaferro, que me levou para estudar na Europa; Camargo Guarnieri e Guilherme Fontainha, com quem posso dizer que realmente aprendi piano.
PG – Em que momento você se decidiu pela profissionalização?
Eudóxia - Quando tinha nove anos, meu professor de alemão me perguntou o que eu pretendia do piano: ser professora ou tocar só para mim? Eu disse que queria sair pelo mundo afora tocando piano. E a partir daí não teve mais volta.
PG – E em que momento se lembra de realmente ter se sentido uma pianista profissional?
Eudóxia - Aos sete anos, na ocasião da chegada dos expedicionários brasileiros após a Segunda Guerra Mundial. Era década de 40 e minha tia era diretora de um colégio tradicional de São Paulo, o Ginásio Sttaford. Esse ginásio ofereceu um grande almoço a eles, e eu e minha irmã tocamos para os convidados. Me marcou muito, não só pela apresentação em si, os aplausos e tudo mais, mas por ver aqueles jovens e de muletas, feridos, alguns mutilados. Foi quando senti pela primeira vez a responsabilidade de tocar para outras pessoas.
PG – Você acha que música erudita tem espaço suficiente no Brasil?
Eudóxia - Acho que temos mais espaço do que 20 anos atrás, mas hoje a concorrência também é maior. Atualmente no Brasil dão preferência à ópera ou a orquestras. Resumindo, as grandes produções, com muita gente no palco. Desconsideram os recitais, que é espetáculo muito mais difícil de ser executado, pelo fato do recitalista estar sozinho no palco.
PG – O que você acha que é necessário para que a música erudita atinja um número maior de pessoas?
Eudóxia - Acho que o gosto pela música de qualidade, seja ela erudita ou não, deve ser incentivado durante a formação. Uma lei recente determina a volta do ensino de música e artes nas escolas, mas acho que isso tem de ser muito bem pensado. Não pode ser uma obrigação chata, onde se privilegie o ensino da técnica, até mesmo porque nem todo mundo tem aptidão para música. Tem de ser prazeroso, talvez com ensino da história da música, amostragem de instrumentos e principalmente o ensino da apreciação musical.
PG – Hoje você pode dizer que é uma musicista realizada?
Eudóxia - Realizada a gente nunca se sente. O que eu mais desejaria é tempo para recordar tudo o que já estudei e ter tudo nos dedos. Mas eu sei que não há como. Estudo um repertório diferente por ano, mas o do ano anterior se perde, não há como manter ativo na memória e na prática. Infelizmente é um sonho impossível. Teria de me dedicar apenas ao estudo, e aí deixaria de ser pianista, de me apresentar, o que para mim está fora de cogitação.
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